Depoimento I

   Intensa era a palavra que melhor a definia, e talvez por isso tinha medos exagerados.
   Tinha mania de perseguição e talvez não fosse apenas mania, era o trauma que carregava, que levaria pelo resto de sua existência terrena.
   Aquele homem repugnante tentando  sufoca-la com suas mãos, o peso das mãos, a força bruta. As marcas que aquele ato deixou no rosto e na mente dela.
   Eram lembranças que levaria consigo, até onde a memória poderia lhe acompanhar. E por tal aguardava a velhice com ansiedade, para esquecer, ser abençoada com Alzheimer e por fim nas memórias trágicas que a acompanhavam dia após dia.
  Todos ao seu redor tinham conhecimento do  abuso que sofreu, poucos realmente acreditavam que ela era a vitima, a maioria acreditava que ela havia provocado tal coisa.
  Por tanto ela deixou de se importar, passou a ignorar os comentários maldosos.  Mas por vezes doía saber que pessoas que ela estimava, acreditavam que ela era culpada, que a vitima era o causador de tanta dor e angustia.
  A noite e as ruas vazias que outrora eram calmaria, se tornaram paranoia, em cada beco, esquina sem iluminação ela podia ouvir passos, sentir pessoas se aproximando, pessoas tentando  sufoca-la, mas nada estava lá. Somente o pânico, a dor, a fobia, a paranoia, o trauma.
  Sugeriram aos seus pais logo no inicio que a levassem a um psicólogo, mas ela se recusou e eles não insistiram. Ela preferiu não se aprofundar naquilo, mas aquilo sempre estava pairando sobre sua mente.
  Ela tentava evitar, mas a lembrança, o horror, estavam sempre lá, ao seu lado, talvez como uma forma de alerta. Alertando-a  sobre qualquer tipo de aproximação masculina.
  A sua vida havia se tornando um filme de terror, daqueles que ela sempre evitou assistir e agora presenciava em sua vida.
  A arte imita a vida, essa era sua conclusão de todos os dias.
  Mesmo sabendo que por vezes estava protegida, ela não conseguia sentir-se assim, sentia que a qualquer momento alguém a atacaria, em sua casa quando estava sozinha mesmo com as portas e janelas trancadas.
  A qualquer momento um homem com o dobro do seu tamanho e força conseguiria terminar, o que outro havia começado.
 O trauma, o medo, o bloqueio, o horror que carregava eram mais fortes do que tudo que lhe poderiam dizer, do que toda segurança que poderiam lhe garantir e mesmo assim para maioria ela não era a vitima.

E dia após dia ela se multiplica por ai.

Escrito por Andréia Freire.